Porque viver, sobrevivendo, é uma questão de simplicidade...

Quem me conhece, já sabe.
É nesta altura do ano que o meu fantasma-mor ataca.
Sem piedade, sem razão, se apelo nem agravo. Sem aviso. Mesmo que já o espere.
Ataca apenas, insensível ao meu estado de espírito, à minha situação, ao desenrolar mais ou menos desengraçado da minha existência.
Não quer saber se estou mal ou bem, se ando feliz, se choro, se me enrolo em inconsciência para tudo doer menos ou se danço no meio de um monte de folhas secas..
E mesmo que o espere consegue sempre apanhar-me desprevenida!
A forma como o recebo, difere com a força com que me encontro no momento, de como me correu o dia, o ano, se me sinto fragilizada ou se acho que o mundo ainda pode ser meu.
Se está tudo bem, recebo-o de lança em fogo apontada pela Razão, cheia de raiva e de despeito.
Orgulhosa e falsamente cheia de certezas, lanço-lhe ao rosto um puído “quem não me quer, NÃO QUEIRA!”
E afasto-me, deixando-o a falar sozinho, num passo (in)certo de quem sabe para onde vai, mesmo não sabendo de onde vem.
E fico lá longe, enrolada em desgosto fetal, a lamber as feridas, sem verter uma lágrima.
Mas se ele me apanha em fase de prurido interior, em que tudo me choca, me toca, me culpa…
Olho-o com horror, mas sempre em esperança de que me abrace.
De voz entrecortada pelo choro infantil e absurdo que ainda ecoa cá dentro, peço-lhe que me aceite.
Um pouquinho apenas. Um pedaço apenas.
Prometo que não faço barulho, que não respiro, que não incomodo, que não mexo uma fibra sequer.
Mas que me deixe estar ali ao pé dele.
Um pedacinho apenas.
Só para saber como é.
Só para ter alguma memória de entranha.
Um vislumbre de raiz.
Para poder olhar o seu rosto, sentir o seu cheiro, guardar a mil chaves o som da sua voz…
Sabendo que partirá à mesma.
Mas ficará um pedaço de memória. E a esperança (in)fundada na certeza do ser bem querida.
Mas se ele chega e eu estou…
Nem carne nem peixe, uma amálgama entediada de bocejos e obrigações.
Arrastada entre o dia e a noite pela força do nascer de um sol falso e longínquo..
Não querendo saber se vivo ou se morro, apenas anseio chegar ao fim do caminho, seja ele qual for…
Aí, deixo-o falar e sibilar discursos que não entendo.
Espero pela minha vez e apresento-lhe uma lista congruente de argumentos plausíveis e, quem sabe, provados cientificamente…
Que percebo, que entendo, que não se rale comigo que não me sinto rejeitada, até porque tenho a minha própria família.
Que continue o seu percurso de vida com quem mais desejar, e que seja muito feliz.
E que se precisar de alguma coisa, sabe onde estou.
E vendo-o afastar-me, desejo secretamente que se despache, porque tenho mais que fazer…
Mas comum a estes 3 estados de espírito (e aos outros 40) há sempre uma e apenas uma certeza.
Que, por desleixo, frieza, estupidez, incompetência humana, ou simples falta de paciência, nunca me deu uma chance.
Para depois em consciência, me poder aceitar ou rejeitar.
Que, por egoísmo feroz e instinto de sobrevivência, me pôs à margem sem me dar uma hipótese de pertença.
Toda a gente merece uma 2ª hipótese, não é o que dizem?
Nem uma tive.
Escorraçada sem palavras, esquecida num eterno abanar de cabeça para afastar pesadelos, não existo.
Pura e simplesmente.
E com isso terei de me conformar.
Não o consegui fazer durante 43 anos.
Pode ser que nos próximos 40 eu descubra uma forma de o fazer.
Sem mais danos.
Este ano, como recebo o fantasma-mor?
Não sei.
Não quero que ele perceba que já o vi aproximar-se.
Acho que vou fazer a minha vidinha normal, como se nada fosse.
Hipócrita, eu?
Porque não?
Não sou menos que os outros, não?
E como sou uma boa actriz, de certeza que ele vai passar ao largo, convencido de que não o vi.
Pois.
Mas se esta táctica falhar que me resta?
Hum…
JÁ SEI!!!!
Chamo os Ghosts Busters!