Como não tenho laivos de ser original, não poderia deixar passar este dia em branco.
Tinha 10 anos quando se deu a Revolução, mas sempre vivi envolta em surdina de vizinhos que, entredentes se manifestavam contra o estado das coisas e ouviam baixinho Sérgio Godinho e Zeca Afonso.
Lá fui criando uma costela de esquerda, sem saber sequer o que isso era.
No dia 25 de Abril de 1974, a minha professora da escola primária fazia anos.
Portanto, a minha mãe vestiu-me o vestidinho dos domingos, fez-me dois lindos totós, e depositou-me nos braços um ramo de cravos para eu oferecer à professora..
"Eram para ser rosas, filha, mas estavam tão caras...."
E lá fui, toda contente, rua abaixo até à escola.
Estranhei estar tudo deserto.
Faltava a movimentação matinal, as vizinhas a falar umas com as outras, os gritos do padeiro e do carteiro...
Moral da história: a rua estava deserta, e a escola fechada.
Por ali, de totós a saltitar , mochila às costas e os braços cheios de cravos, só eu.
Dei meia dúzia de voltas ao quarteirão, à espera de encontrar alguma coleguinha, quando ouvi uma voz vinda de uma persiana fechada:
"Ó gaiata, vai para casa que aí a revolução!! Ainda te matam, miúda!!"
Ao ouvir aquilo, e embora não soubesse o que era uma revolução, a parte de me matarem percebi muito bem, pelo desatei a correr, ganhei asas nas pernitas e cheguei a casa, onde fui encontrar as minhas vizinhas na escada à porta da minha mãe, a ralharem com ela ou a consolarem-na, não percebi bem...
- "Ó D. Belmira, então a senhora manda a cachopa para a rua num dia destes, sujeita a levar um tiro ou pior? Então a senhora não ouviu o rádio?"
E a minha mãe, coitada, entre soluços, tentava explicar que não, que não ligava o rádio há uns dias porque andava com dores de cabeça..
Levaram algum tempo a perceberam que eu estava ali, especada, com os totós desfeitos pelo vento da corrida, mas firmemente agarrada aos cravos, não fosse levar umas palmadas por os perder, apesar de mais baratos que as rosas...
Abraçaram-me e beijaram-me, cada uma meteu-se em sua casa agarrada ao rário ou à televisão (quem a tinha), vindo de vez em quando à escada para bichanar novidades e trocar impressões, que eu escutava com toda a atenção...
Fiquei a saber que o vizinho da cave era um bufo da pide, que o filho do senhor Abilio do 2º esquerdo estava preso naquela casa que eu achava linda ao pé do Zoo e outras coisas que tais...
Sinceramente.
É a única altura em que eu gostaria de ser mais velha, para vivenciar as coisas de outra forma...
E vocês, meus amigos?
ONDE ESTAVAM NO 25 DE ABRIL DE 1974?? hem????