Se há coisa que me arrepie é passar às 8 da matina, quando vou pôr o puto ao jardim de infância, à porta da agencia funerária cá do sitio,
e ver o bom do senhor Espada (o dono) sentado à soleira, a apanhar sol, e quiçá à espera que alguém morra….
Livra!
Pois então que o senhor Espada passe o dia todo ao sol, e a noite ao relento a apreciar o luar, e que não tenha trabalho nenhum!!!
Bom Feriado!
Sinto um alívio tão grande quando a noite cai.
Com o silêncio, desaparece a pressão no peito, a aflição do coração que tanto se apressa, como desfalece.
As dores tornam-se mornas e posso ignorá-las.
Consigo até respirar fundo e fechar os olhos em calmo prenúncio de algum sossego.
Fico irritada quando o sono ataca, pelo tempo precioso que vou gastar a dormir.
E quando acordo, com a crueza das portadas abertas, fico logo aflita.
Lanço logo a mão da ingrata cafeína para me ajudar a arrancar.
Para a rotina, para a azafama, para a canseira sem sentido.
Fico sem forças a meio do dia, e arrasto-me até cair a noite, onde renasço um pouco mais…
É nesta altura, à luz da lua, em que já todos estão resguardados em casa, que me sinto um pouco eu.
Que me sinto segura, aninhada no meu canto com os meus.
Passo a pente fino as tarefas do dia, para ver se não me esqueci de nada.
Os animais estão tratados, os filhos e marido já jantaram, a loiça suja que se lixe, já acendi a vela que me guia pelos sonhos e hoje, noite de sorte, tenho ao colo o portátil do meu filho, e posso escrever um pouco.
Não sou mulher de grandes discursos, apenas a escrita, por mais estúpida ou ridícula que seja, me liberta, me situa, me preenche.
Amanhã ainda não consigo ir trabalhar.
Por este andar, ainda acabo por perder o emprego, ou pelo menos o respeito das colegas e dos patrões.
Sei que é difícil de acreditar que num dia estou bem, e no outro, contorço-me com dores e mal me consigo mexer…
Desta vez, foi a ciática que me derrubou.
É a 3ª crise este ano, e a mais violenta.
São as dores que mais temo.
Já me habituei às outras e melhor ou pior, já as integrei no meu dia a dia.
Mas esta treta da ciática custa-me a aguentar..
Assim que começo com sintomas, que tento ignorar a ver se passa, entro em pânico.
E o pânico afecta em muito a minha pseudo estabilidade emocional.
Às vezes pergunto-me se fosse uma pessoa equilibrada, calma, com os parafusos todos no sitio, se não teria tantas dores..
Os problemas físicos são reais, é claro, mas a capacidade de lidar com eles depende muito da força psíquica.
E eu, confesso, tenho pouca, e então nesta altura do ano, ainda é pior.
Valham-me as noites que me dão alguma paz de espírito, algum conforto, mesmo que as lágrimas me saltem sem razão.
Mesmo que o sono se entrecorte com sobressaltos e pesadelos, que se aplacam assim que vejo que lá fora, ainda está escuro…
Nem quero pensar que amanhã é outro dia.
Esta noite, olhei para o céu e chamei por ti.
Como fiz toda a minha vida.
Levei 30 anos a procurar-te, encontrei-te, vi-te uma só vez, e perdi-te de novo.
Não sei sequer se ainda estás vivo, mas algo se parte cá dentro quando penso nisso.
Há 6 anos que não me escreves, e quando te liguei, respondeu uma gravação, infelizmente em alemão, de que não falo nada.
No fundo, sei que já partiste.
E recuso-me a tentar saber se é verdade, porque não suportaria da dôr de ter a confirmação.
De te perder, eu que nunca te tive, de uma forma irremediável e permanente.
Sem volta.
Sei que me procuraste anos a fio, e te foste embora para a Alemanha, desgostoso e sentido, para tentares refazer a tua vida.
E eu fiquei por cá, desgostosa e sentida, sem saber sequer quem tu eras.
Quando descobri onde estavas e te escrevi, foi uma aflição.
Tive medo de que me mandasses chamar pai a outro.
Mas não.
Agarraste no teu carro e fizeste milhares de quilómetros para me vires conhecer.
O abraço que me deste quando chegaste, ainda o sinto.
Como sinto uma revolta imensa da vida nos ter separado de uma forma tão cruel e escusada.
È a única coisa que não perdoo àquela que me pariu.
Não lhe reconheço o direito de ter impedido o nosso contacto.
Se ela não me queria, nem te queria, ao menos que nos tivesse dado a chance de estarmos próximos.
Mas não. Recusou, das poucas vezes em que a vi, a dizer-me quem tu eras.
Só com a ameaça de processo em tribunal o fez.
E porquê?
Muita frieza de coração e egoísmo feroz.
Também foi um grande azar tu estares tão longe.
Mas enfim…
Também tenho muita pena de não ter conhecido os teus outros filhos.
António, Cidália, Leonor e…. não me lembro do ultimo nome.
Mas calculo que, com a raiva que eles me tinham, pela situação que provoquei sem querer com a mãe deles, não me receberiam muito bem…
Apesar de tudo, agradeço muito a Deus o ter-me deixado conhecer-te, dar-te um rosto, e sentir o teu abraço pelo menos uma vez.
E espero, quando chegar a minha vez, que sejas tu a receber-me do Outro lado.
Até lá, sempre que olhar o céu, vou estar a pensar em ti.
E a pedir-te que me protejas e aos meus filhos.
Tenho a certeza de que o farás.
Até sempre.
Pai.
Não sei bem como preparar os meus filhos para a “raiva” da vida.
Como lhes explicar, não tendo justificação, de que o ser humano é composto pela mente e pelo corpo, e que nas suas veias corre sangue e… raiva.
Talvez até nem me caiba a mim explicar seja o que fôr.
Porque infelizmente eles sentirão isso na pele, mais tarde ou mais cedo.
Sentirão raiva, ou serão vítimas de manifestações dos outros.
Raivosas.
As explosões de raiva mais incongruentes e exageradas, na minha modesta opinião, são aquelas a que assistimos no trânsito.
Falta de civismo?
De compreensão?
De paciência?
Não sei.
Só sei que nada justifica as cenas a que assistimos ou de que somos alvo.
Hoje o meu “genrinho” foi abalroado por um jipe “raivoso” que o deixou estatelado no meio da estrada, e fugiu.
Podia ter batido na mota sem querer, mas tudo aponta de que foi de propósito.
E fugiu, deixando o puto ferido na estrada.
Mas como Deus (e o Diabo) não dorme(m), o amigo dele conseguiu sacar-lhe a matricula, depois de o perseguir como um maluco, sujeito a ter também um acidente.
A amizade falou mais alto, e graças ao Bruno, o fdp que ía no jipe vai ter o que merece.
Com raiva mesmo, que nós somos pacíficos, desde que não nos pisem os calos.
Porque quando nasce, como o sol, é para todos.
A raiva.