Porque viver, sobrevivendo, é uma questão de simplicidade...
Segunda-feira, 28 de Março de 2005
Vou hibernar uns tempos
Beijos para todos


publicado por Fernanda às 17:24
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Sem Raizes - 6

Cheguei a casa completamente desnorteada, depois deste encontro com aquela que me tinha parido.


Apesar de lhe ter deixado o meu número de telefone, sabia bem cá no fundo, que nunca me iria ligar.


 Agarrei com força na mão o papel com a morada dela. Era o único contacto que poderia manter. Tinha vontade de chorar, mas não conseguia. Assolava-me uma fúria imensa.


Tinha-me esquecido de lhe perguntar o nome completo do meu pai. Como poderia procurá-lo, se apenas sabia que se chamava Zé?


Por onde poderia começar a minha busca, se não sabia de onde ele era?


No dia seguinte, sentei-me à mesa da sala, de papel e caneta na mão.


Desta vez, seria uma carta que não mofaria no fundo de uma gaveta. Escrevi-lhe ao sabor da emoção, dizendo que não a recriminava por me ter abandonado. Que entendia que tinha sofrido bastante, e que era a prova real do seu sofrimento, talvez por isso nunca me tivesse visitado. Com excepção daquela vez em que me raptou, tinha eu 5 anos, e ter acabado tudo em Tribunal de Menores. (Em audiência em que ela não compareceu, e o Juiz decidiu dar a adopção à Belmira).


 Que não podia sentir qualquer amor filial, mas que podíamos ser boas amigas. Que senti uma emoção enorme por ter estado cara a cara com ela. Que adorei ter conhecido os meus irmãos. Que tinha a certeza que encontraríamos uma forma de mantermos o contacto, nem que fosse por carta. E que lhe pedia que me dissesse o nome completo e o local de onde era o meu pai, para que o pudesse procurar.


Esperei dois meses por uma resposta. Todos os dias à espera do carteiro, ansiosa..


Até que um dia me fartei. Peguei no carro e fui até ao Cacém, para a procurar em casa. Quando lá cheguei, apanhei uma decepção. A casa estava vazia. As vizinhas disseram-me que tinha sido penhorada por falta de pagamento das prestações.


Fiquei completamente à deriva. Entrei numa depressão como há muito tempo não acontecia. Chorava de dia e de noite, não conseguia sequer sair de casa.


O meu marido já estava tão desesperado de me ver assim, que disse que me ía ajudar. Tinha encontrado o meu irmão num jogo no Estádio da Luz, a fazer uma reportagem para A Bola, e, com uns telefonemas, concerteza que o conseguiria encontrar.


 E assim foi. Contou-lhe o que se estava a passar, que me tinha esquecido de perguntar os dados do meu pai, e que a situação estava insuportável.


Passados dois dias, o David veio a minha casa, e na mão trazia um papel escrito pela Geta, onde se lia:


 José Maria Gomes de Marinhais.


 Só isto. Uma frase apenas. Mas que me abriu um mundo de expectativas e de esperanças.


 No fim de semana seguinte, o meu marido meteu os miúdos no carro, logo pela manhã, para ir a Marinhais procurar o meu pai, ou quem soubesse dele.


Eu fiquei em casa. Não tive nem forças nem coragem de ir com eles. Não aguentava uma decepção.. Fiquei a rezar. A chorar. A suplicar a todos os Santos que me dessem uma hipótese…


Chegaram era quase meia noite. Assim que ele entrou, percebi que as coisas não tinham corrido bem. Mandou-me sentar. Agarrou-me nas mãos e pediu que me acalmasse.


E disse calmamente: “Não encontrei o teu pai. Mas sei onde ele está. Tens uma tia e primos em Marinhais. O teu pai está há muitos anos na Alemanha, em Dortmund. Tens aqui a morada dele.”



publicado por Fernanda às 10:55
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Quarta-feira, 23 de Março de 2005
Sem Raizes - 5 (Batam palmas que vou nascer!)

Agarrei na chave que o recepcionista me deu, e corri pelo corredor para me enfiar no quarto.


Respirei de alivio quando percebi que o cara-de-lobo, bem, é melhor começar a chamar-lhe Fernando, não tinha vindo atrás de mim.


Passámos muitas vezes um pelo outro, até porque ele estava também hospedado naquela espelunca, e sempre que acontecia, recebia um efusivo cumprimento, a que respondi sempre com um simples maneio de cabeça.


 Por sorte, a pensão tinha ficado sem empregada de limpeza, e ofereceram-me o lugar. O trabalho era imundo, o salário, uma miséria, mas pelo menos dava para pagar o quarto e conseguir comer uma refeição quente por dia. Aceitei sem hesitações.


Não valia a pena fazer grandes planos. Ter grandes sonhos. De noite gostava de ficar a olhar para as luzes da rua, para o movimento das pessoas, pensando se seria ali o fim do caminho…


Quando chegou Dezembro, passei muito com o frio. De dia, ainda andava na lida, mas à noite enregelava.


 Logo nos primeiros dias, comecei a ter dores. Pensava que era do frio, ou da tristeza de ir passar, pela primeira vez, o Natal longe dos meus irmãos..


Pelas minhas contas, ainda faltavam 2 meses para tu nasceres, portanto não dei muita importância.


 Mas uma noite, ao bater das doze badaladas, as dores ficaram tão fortes que entrei em pânico. Para ajudar, vi que tinha a cama toda molhada. Comecei a transpirar, como nunca tinha acontecido, nem sequer a trabalhar no campo, à torreira do sol.


Comecei a gemer, cada vez mais alto, até que os gemidos se transformaram em gritos de dôr. Acho que desmaiei


 Quando acordei, senti umas mãos pegarem-me ao colo. Entreabri os olhos. A custo.


Era o Fernando que me pegava. Meteu-me num táxi e levou-me para a maternidade. Sem dizer uma palavra.


Não me lembro de mais nada, a não ser de um enorme relógio na parede, mesmo à frente da minha maca. Os ponteiros rodavam sem pressa, sem piedade da minha aflição.


 Minuto a minuto. Só me lembro daquele imenso relógio. A marcar os pontos da minha dôr.


 Não quero que penses que sou uma mariquinhas. Já sabes o que é um parto, portanto…


Exactamente às 5.55 horas respondeste ao meu apelo, e finalmente saíste de mim.


Não me perguntaram sequer se te queria ver. Ainda bem, porque não queria.


Agarram em ti e levaram-te para a incubadora.


Sou uma mulher rija, sabes? Passadas poucas horas, já estava de pé. Queria sair dali, tirar aquele cheiro de entranhas e desinfectante, atirar o meu rosto contra o vento..


 Na sala de espera, estava o Fernando. A minha primeira reacção foi a de fingir que não o via, mas como, se ele se levantou e se dirigiu para mim com um grande sorriso nos lábios.


- Então cachopa, estás bem?


- Estou. Obrigado por me ter trazido.


 - Não tens de agradecer, só fiz a minha obrigação.


- Obrigação não, que a miúda não é sua filha.


 - Então, é uma menina?


- Sim, é. Mas muito pequena e enfezada.


 - Podias dar-lhe o meu nome…


Olhei-o com ar de enjoada. Que raio queria aquele homem, Deus do céu?


 - Digo-te mais.. Se lhe deres o meu nome, eu registo-a como se fosse minha filha!


O homem estava mesmo parvo!


 - Gostava de lhe chamar Teresa – balbuciei, tentando acabar a conversa.


- Fernanda é mais bonito! E pode crescer tendo nome de pai e não um vazio na certidão de nascimento, já pensaste nisso?


 Eu pensei. Seria talvez a única coisa de bom que podia fazer por ti, dar-te um nome de pai, mesmo que não fosse o verdadeiro.


Enfim… O resto da história, acho que já te foi contada.


Eu fico por aqui.


 Olhei-a, uma vez mais sem saber o que dizer. Sim, eu sabia como a história tinha continuado. Sabia uma versão.


 Não lhe consegui arrancar nem mais uma palavra.


 Deu-me um beijo seco de despedida.


Era o nosso 3º encontro.


 Seria o último. Nunca mais a vi.


 (continua)


 


 Aproveito para vos desejar uma PASCOA muito Feliz, cheia de guloseimas! Para os Católicos, que seja um período de introspecção e reflexão, a que não faltem, é claro, as amendoinhas! Até segunda!



publicado por Fernanda às 12:28
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Terça-feira, 22 de Março de 2005
SEM RAIZES - 4

O relato que tinha acabado de ouvir estarrecia-me. Não sabia o que sentir, muito menos o que dizer.


A Geta permanecia à minha frente, impávida e serena, como se tudo fizesse parte da história de outra gente qualquer.


 Nem uma lágrima. Apenas a mão trémula ao acender mais um de mil cigarros traía a sua postura impecável.


 Olhei-a. Como é possível esta mulher, que me deu à luz, conseguir fingir que não é nada com ela?


Percebo que ela veja em mim a prova real de todo o seu sofrimento. Mesmo que isso me doa, porque me sinto inocente no meio de tudo e de todos.


Percebi que ela não queria falar mais. De novo, eu era uma intrusa na sua vida.


Arranjei coragem, porque sabia que era agora ou nunca. Era a 3ª vez que a via na minha vida, e sentia, cá no fundo, que seria a última.


 Por isso, não desarmei. - E depois? – perguntei, puxando de um de mil cigarros. Levantou a cabeça e olhou-me…


- És bonita…


-Não vim aqui para receber elogios. Vim saber o que me aconteceu enquanto estive nas tuas mãos, até aos 9 meses de idade.!


 Não sei se lhe desagradou a rispidez do meu tom, mas respirou fundo e continuou…


Já não me lembro como consegui chegar a Lisboa. Fui apanhando boleias por aqui e por ali, e acabei por chegar a uma pensão, onde aluguei um quarto, sem saber como o ía pagar.


 Saí para comer qualquer coisa numa tasca ali perto, e assim que entrei, reparei num homem que estava sentado na mesa do canto.


O seu rosto parecia o de um lobo, e estava todo marcado de bexigas. Tinha um olhar estranho, que pousou em mim assim que entrei.


 Sentei-me a uma mesa, tendo o cuidado de pôr a barriga em evidência. Não queria que pensassem que estava ali para arranjar companhia. Comi uma sopa, e senti uma presença ao meu lado.


 Era o homem cara-de-lobo. Pousou a mão no meu ombro, fazendo-me estremecer de pavor…


- Então menina, perdida em Lisboa? – perguntou entre dentes. A voz condizia com o rosto. Sibilina, cortante.


 - Perdida, eu? Que disparate – as palavras saiam-me num fio de voz.


-Tem ar de ser da província e de não comer em condições há muito tempo…


A minha vontade era responder-lhe que isso não lhe dizia respeito…


- É verdade, acabei de chegar – respondi em tom de fim de conversa.


Mas ele não desarmou…


- Presumo que não conheça ninguém por aqui…


- Tenho um tio que vou procurar amanhã! – que grande mentira, pensei


 - Vou fingir que acredito! Mas se não considerar abuso, deixo-lhe o nº de telefone aqui da tasca. Se precisar de ajuda, deixe recado para o Fernando.


E dito isto, estendeu-me um papel, fez um sinal ao empregado e, saiu.


 Respirei de alivio. Quando quis pagar a sopa, o empregado não aceitou.


Voltei para a pensão. Assim que entrei para pedir a chave do meu quarto, vi um vulto na outra ponta do balcão.


 Não precisei de olhar mais para perceber quem era. Tinha de novo pousados em mim uns olhos de lobo.


 (vai continuar, espero que a inspiração e a memória não me falhem..)



publicado por Fernanda às 10:03
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Segunda-feira, 21 de Março de 2005
Depois de um super casamento no Porto, aqui fica a continuação da saga... SEM RAIZES 3 !

Estava a vestir-me, ainda de madrugada, quando ouvi chegar um carro lá fora.


Os pneus chiaram, ao mesmo tempo que a luz da sala da minha casa se acendia.


Fosse quem fosse, já era esperado.


 Decidi permanecer em silêncio. Corri passos suaves no pequeno corredor, e pus-me a escutar atrás da porta.


Lá dentro, a minha mãe falava em surdina com o meu tio Alfredo, o tal que era da Guarda. Não conseguia ouvir com clareza, apanhava apenas algumas frases soltas..


- Já vista a cachopa…..


- Tenho pena é do homem, coitado….


- Podias ter evitado….


- Não me chateies…..


 - Sou sempre eu a resolver os….


 - Desculpa lá se te incomodei….


. - Sou um homem de respeito…..


- Que grande policia….


 - Se quisesses….


- Não posso fazer nada….. a queixa…..


 - Ainda lhe dou uma tareia…. Doidivanas…


 - Já não te lembras…..


 - Vai mas é servir….


 - E o bébé….


- Não me interessa…. A miséria….


Não consegui ouvir mais nada. Sentia uma enorme revolta. Que lhes dava o direito de decidirem o meu futuro, sem me consultarem?


Fiquei, no entanto, com a certeza de que a situação era grave, principalmente para o Zé.


 Quando ouvi o carro partir e percebi que a minha mãe tinha voltado a deitar-se, olhei à minha volta.


 Não tinha nada ali que me prendesse. Passar fome e humilhações, podia passar em qualquer lado.


 Peguei num lenço e fiz uma trouxa com as poucas roupas que tinha. Pus a trouxa aos ombros.


 Era leve, tão leve que me deu asas. Fechei a porta devagar e olhei pela última vez para a casa que pouco tinha de minha. Senti um aperto no estômago. E fiz-me ao caminho.


Nunca mais vi o teu pai.


 (continua e continua…. Vocês já devem estar fartos!)



publicado por Fernanda às 11:22
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Sexta-feira, 18 de Março de 2005
Sem Raizes - 2

O sorriso desapareceu do meu rosto num ápice.


 À minha frente estava, não o meu Zé, mas uma mulher. De cabelo preto apanhado, ar cansado e olhar duro.


Desviei os olhos dela. Corei. No fundo, sabia quem era.


À sua volta, penduradas nas saias, estavam quatro crianças. Em escadinha, o mais pequenino mal se tinha em pé, e o mais velho chuchava no dedo. Caiu um silencio atroz.


 Mandei-a entrar. Sentou-se numa cadeira, enquanto as crianças se sentavam à sua roda, no chão.


Eu estava paralisada. Colada ao chão. Sentindo-me ridícula, mais a minha enorme barriga, de pé feita estátua.


- Não te queres sentar? – perguntou a mulher, como se a casa fosse dela.


- Não, estou bem assim – respondi num fio de voz.


- Sabes quem sou? – e cravou os olhos negros em mim, trespassando-me.


- Calculo – baixei os meus olhos.


Olhei aquelas crianças. Quietas. De olhar parado. Cansadas. Expectantes.


- Vim falar contigo para apelar ao teu coração – a voz da mulher amansava-se.


- Diga – balbuciei a custo. - O meu Zé disse-me que me queria deixar, porque estava enrabichado por uma gaiata.


Aquele olhar negro feria-me a fundo.


 - Já não sou uma gaiata – retorqui a medo.


 - És sim, igual a muitas outras que ele já teve. Mas és a 1ª que o quer tirar de casa.


- Eu não quero tira-lo de casa, ele é que disse….


 - Eu sei muito bem o que ele te disse! – a sua voz parecia um grito – e sei o que me disse a mim!


 Não conseguia tirar os olhos do chão, onde as crianças se começavam a agitar.


- Venho apelar para o teu bom coração – repetiu ela enquanto fazia sinal aos filhos para que ficassem quietos. - Não venho aqui atacar-te. Venho pedir que te afastes do meu Zé. Ele tem 4 filhos para criar, e tu és muito nova, podes refazer a tua vida com facilidade. O que não é o meu caso.


- Posso ser muito nova, mas gosto mesmo dele e…….


- E estás grávida, não é?


 Voltei a baixar os olhos, desta vez com vergonha.


- Não sei se o fizeste de propósito, mas olha que são 4 filhos contra um. Ele já sabe?


- Não. Nem eu sabia que estava grávida.


- Ainda bem. Tenho a certeza que ele ía reagir muito mal…


- Porquê?


- Não interessa. Não te esqueças que sou mulher dele há muitos anos, conheço-o bem!


Começava a sentir um cansaço enorme a invadir-me. Só queria que aquela visita acabasse para que me pudesse deitar.


- Tu queres esse filho? – perguntou a mulher num esgar.


 - Não sei….


 - Podes sempre deixa-lo no hospital quando fores parir…


- Não sei…


- Já vi que não sabes nada. Mas eu sei o que faço se tu não deixares o meu Zé.


O tom de voz de ameaça arrepiou-me.


 - Juro-te pela saúde dos meus filhos, estas crianças inocentes que vês aqui, que se não deixares o meu Zé..


Sim, o tom era mesmo de ameaça.


- Se não deixares o meu Zé, vou dar parte dele à Guarda. Tu és menor, portanto ele vai para a cadeia. Pode não ficar comigo e com os filhos, mas contigo não fica também!


E dito isto, levantou-se. Quase atropelou as crianças ao dirigir-se para a porta.


- Ficas a saber que ele vai para a cadeia!!!!!!! – gritava enquanto puxava pelos filhos.


 O estrondo da porta quando ela saiu soou mais forte dentro de mim.


Sentei-me, quase caí na cadeira. Não tinha qualquer dúvida que a mulher estava a falar muito a sério. Se não estivesse tão assustada, quase que tinha pena dela.


Que estúpida! Pena…. Devia era ter pena de mim. Bem caras me estavam a sair as voltinhas no meio do campo.


Fechei os olhos, e quase senti o aroma silvestre das flores misturadas com os restos da palha, das ervas amassadas sob o peso dos nossos corpos.


- Ai Zé, que saudades tenho tuas!


 A ideia de o ver na cadeia era-me insuportável. Seria mesmo assim? O facto de eu ser menor de idade podia arranjar-lhe problemas tão graves? Que direito tinha eu de lhe destruir a vida? E que vida seria a nossa começando desta forma? Aquela mulher não nos ía dar descanso. Mas não estava contra ela. Tinha o direito de defender os filhos, é claro. Mesmo que tivesse de passar por cima de mim. Foi isso mesmo que ela fez. Sentia-me como se tivesse sido atropelada.


 Decidi deitar-me, quando ouvi a porta bater. Era a minha mãe. Não sei de onde vinha àquelas horas da noite, mas foi bom não estar em casa, pois seriam duas a atacar-me.


- Ainda estás acordada, cachopa? Olha que amanhã a jorna é dura.


- Já me ía deitar.


 - Estás esquisita, mas isso é normal em ti. És a mais estranha dos meus filhos..


 Não lhe respondi, não estava em condições de sustentar uma discussão.


- Disseram-me na venda que tiveste uma visita. Uma mulher desconhecida com um rancho de miúdos atrás.


 - Era a mulher do Zé – respondi enquanto me despia.


- Logo vi! Veio tirar satisfações? Abençoada!


Queria chorar, mas não conseguia. Precisava de colo, de consolo, mas não era dali que ele podia vir.


 - Ela diz que faz queixa do Zé à Guarda e que ele vai preso. Ela pode fazer isso?


Olhei-a com uma réstia de esperança. Mas não adiantou. A confirmação soou quase cruel.


 - É assim mesmo! Se não acreditas em mim, pergunta ao teu tio Alfredo, que é policia!


 Não quis ouvir mais nada. Fui para o quarto.


As minhas irmãs dormiam como anjos, sem se aperceberem de nada. Ajeitei-lhes a roupa e tive vontade de ser menina outra vez.


 Amanhã teria de tomar uma decisão.


Talvez a mais importante da minha vida.


 


(continua)


 



publicado por Fernanda às 11:59
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Quinta-feira, 17 de Março de 2005
Sem Raízes - 1

I - Progenitores


 Existem certos aspectos da vida que nos marcam para sempre. Muitos. Cravados a ferro e fogo nas memórias difusas que incomodam ou dão esperança à medida que vamos crescendo.


 A versão do “outro lado” das condições e desenvolvimento do meu nascimento só me foram reveladas aos 30 anos.


 Passei por isso toda uma vida a tecer conjecturas e a sonhar que era uma princesa raptada por gente má, o que me roubou ao meu grandioso destino.


Sempre soube que era adoptada.


 A minha mãe Belmira (de criação) sempre teve o cuidado de me dizer que a minha mãe Georgete (sua sobrinha directa), me tinha abandonado, que era uma desavergonhada que engravidou aos 16 anos, e nem sabia quem era o meu pai.


E que, por circunstâncias da vida, me tinham posto nos seus braços com 9 meses de vida, para que ela me criasse e evitasse que eu morresse de fome e de pancada.


Quando fiz 30 anos, consegui “obrigar” a minha mãe natural a contar-me como tinha tudo acontecido.


 Portanto, a primeira versão que conto é a dela.


“Nunca mais hei-de esquecer a primeira vez que vi o teu pai. Alto, louro, de olhar claro e intenso, era bem diferente do resto dos homens que andavam em Rio Maior a amanhar o campo. Vinha todos os anos à região, com o tractor, e daquela vez consegui que notasse a minha presença.


 Eu era franzina, apesar dos meus já 15 anos e de ter a mania que era uma mulher. Sei agora que era apenas uma menina que nunca pôde brincar com bonecas.


Palavra puxa palavra, olhar choca com olhar, e acabámos enrolados num tomatal.


Confesso-te que não sabia muito bem o que estava a acontecer. Sentia apenas que sabia bem, agora reconheço que, para 1ª vez, a coisa não correu mal.


Enquanto durou aquela Primavera, foram muitos os nossos encontros e acabámos por nos apaixonar.


Quando a jornada daquele ano terminou, ele chamou-me com ar sério e disse-me:


- Geta, já não sou uma criança como tu és ainda, embora não o queiras aceitar. A diferença de idades entre nós é muita, mas estou verdadeiramente apaixonado por ti. É contigo que eu quero viver o resto dos meus dias. Não te disse ainda, mas há alguns anos que vivo com uma mulher de quem tenho 4 filhos. Vou agora falar com ela, terminar a nossa relação, mas vou garantir sempre o sustento dos meus filhos, isso tu tens de aceitar. Peço-te que esperes por mim, voltarei com a minha situação clarificada, para podermos casar e viver felizes -


 A notícia apanhou-me desprevenida. Não sabia se havia de chorar e bater-lhe por não me ter dito que tinha mulher e filhos, ou se pulava de contente por aquele homem lindo e maravilhoso estar a dizer que me amava e que queria casar comigo.


Separámo-nos nesse dia com a promessa mútua de nos voltarmos a encontrar quando ele voltasse à minha terra, o que seria o mais cedo possível.


Aquela separação, embora pontual, deixou-me um aperto no peito.


 Há medida que o via afastar, as lágrimas corriam-me no rosto, e eu tentava a custo contê-las, repetindo para mim própria que ele ía voltar!


 Quando cheguei a casa, a minha mãe, tua avó Irene, percebeu que eu não estava bem.


Fiquei surpreendida pela genuinidade da preocupação que o seu rosto denotava.


Afinal, a minha mãe não me ligava importância nenhuma, a não ser para me puxar as orelhas quando eu não tomava bem conta dos meus irmãos.


Respondi-lhe num fio de voz que o Zé tinha ido embora. Não valia a pena esconder, porque toda a aldeia falava do caso, e a minha mãe decerto já tinha ouvido zuns-zuns.


 Se negasse ou tentasse disfarçar, ainda levava um bom par de estalos.


 Por isso contei tudo. O que tinha acontecido, que gostava dele, e que íamos casar.


A tua avó mandou uma gargalhada sarcástica.


 - És mesmo parva, fedelha! Alguma vez um homem daqueles quer mais alguma coisa contigo do que te saltar para cima sempre que aqui estiver a trabalhar!


Com aquela frase me fiquei. Secaram-me as lágrimas, e finquei a esperança de que o amor que sentia era correspondido na sua plenitude.


Sim ,ía esperar.


 Sem saber porquê, nas semanas que se seguiram, a minha barriga começou a crescer.


 Não podes esquecer que na época a informação era nula, não era como agora que os miúdos sabem tudo, e eu não sabia mesmo o que estava a acontecer com o meu corpo.


As risadas sardónicas da minha mãe continuavam pelos cantos, à medida que eu vomitava e me sentia mal, e foi a D. Teresa da mercearia que me disse, depois de lhe vomitar aos pés – ai que a cachopa tá prenha!


Voltei para casa ruborizada, sem trazer os feijões que tinha ido buscar.


Bati com a porta ao entrar e atirei-me para a cama lavada em lágrimas.


- Então, o que foi agora? – O tom de voz da minha mãe era ameaçador


- Ai mãe, a D. Teresa diz que eu estou prenha. Como isso é possível? Eu não mandei vir nenhum filho!!!


 - És mesmo estúpida! Então pensavas que podias andar a fornicar por esses campos fora, sem sofreres as consequências???


 - Ó mãe, não pode ser! Eu não sabia! Porque não me avisaste?


- Já tens bem idade para cuidares de ti e ele também. Agora, arranja-te que eu não estou para sustentar bastardos!


 E dito isto, saiu, deixando um rasto de desamparo no ar.


Os dias seguintes foram um autêntico pesadelo. Sentia-me confusa e só.


Não tinha qualquer empatia pelo ser que estava a crescer dentro de mim. Sentia-o como um intruso. Como um entrave à minha felicidade. Como iria reagir o Zé quando lhe dissesse que estava grávida? Ele já tinha 4 filhos, e a vida não era nada fácil. Provavelmente deixava-me.


Fui ter com a Ti Carolina, velhota famosa por resolver estas coisas com as suas beberragens de ervas. Deu-me um chá para beber durante 3 dias, que paguei trabalhando para ela de sol a sol durante muitos mais.


 A mistela tinha um sabor tão horrível, que eu vomitava ainda mais, sempre que a bebia. No fim do 3º dia, não consegui sair da cama, tão fortes eram as dores de barriga.


 Barriga que continuava a crescer a olhos vistos.


 Não me lembro quanto tempo passou mais. Estava resignada. Levava a minha vida do dia-a-dia como se fosse um autómato. Estafava-me o máximo que podia, com esperança de que o meu corpo não aguentasse, e expulsasse o feto.


Cheguei a atirar-me de uma escada abaixo para ver se resultava. Mas nada adiantou. Além de um cansaço brutal e muitas nódoas negras, nada mais consegui, a não ser continuar a ver a minha barriga a crescer.


 Fui alvo de muita chacota.


Pelos caminhos da aldeia, já noite, quando regressava a casa, os homens à porta da taberna gritavam-me


- Ó jeitosa, quando desovares, quero ser eu a seguir!


Mantinha-me longe da tentação de me matar, a esperança que, no fundo, sentia.


Esperança de que o teu pai voltasse para mim. Que acolhesse de braços abertos a ideia de termos um filho.


 Sabia que o que tinha acontecido entre nós não era apenas fornicar, como dizia a minha mãe.


Podia ser muito nova e não perceber nada dos factos da vida, mas sentia que existia amor entre nós. Algo mais para além da pele.


Um dia, quase à noitinha, bateram à porta.


 Com força. Com determinação.


Dei um salto da cadeira, enquanto o meu coração disparava.


Era ele, só podia ser ele!


 Dirigi-me à porta, tentando compor o cabelo desajeitadamente.


 Pus um sorriso rasgado no rosto, enquanto dentro de mim, só ecoava um


- Eu sabia….. eu sabia…. Eu sabia…. Ele voltou para me buscar!


E abri a porta.


 (continua)



publicado por Fernanda às 08:50
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Quarta-feira, 16 de Março de 2005
Minha vida

A propósito de um post do Carlos Tavares, (“o-microbio.blogspot.com”) sobre Raízes, onde fiz um comentário pouco simpático (ele já está habituado à minha falta de profundidade e às minhas bocas foleiras), hoje deu-me vontade de escrever umas coisas sobre a minha vida passada.


 Pode ser que saia daqui um guião porreirinho para uma novela mexicana, se não, pelo menos, faço uma lavagem de alma e uma introspecção que me vai poupar uns euros no psiquiatra.


 Uma garantia vou dou:


O que vão ler, por mais incrédulo que seja, é tudo verdade verdadinha, sem ficção e exageros.


 Não tenho o talento de escrita do Alexandre, nem a mestria da Lique, nem a frontalidade da Aragana, nem a capacidade metafórica do Almaro, nem a doidice da Inconfidente, nem a sagacidade do Carlos Lopes, nem o humor inteligente do Albatroz, nem a coragem da Mulher Gorduxa, nem a doçura do Alberto, nem a sensibilidade da Gira Flor, nem sequer a capacidade maravilhosa de expressão da Inconformada, nem nenhuma das características que vos tornam, aos que referi e todos os outros que não mencionei, únicos e incomparáveis.


 Mas vou tentar fazer um relato fiel e, sempre que possível interessante, para não vos fazer cair pró lado de tédio.


 Mas com tanta conversa, já me alonguei de mais.


O resto fica para amanhã.


Beijos e encham-se de paciência….



publicado por Fernanda às 10:37
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Terça-feira, 15 de Março de 2005
"Deja-Vu" - é assim que se escreve???

O dia amanheceu como outro qualquer, manso e suave, à espera do cair das rotinas.


Sem sobressaltos, rolei os quilómetros habituais e quedei-me à porta do café do costume.


 Quando parei, como sempre, com uma roda em cima do passeio, reparei num carro que nunca tinha visto. Um intruso, pensei.


 É engraçado o clan que se forma nos habitués dos cafés logo pela manhã. Pessoas que não se conhecem, mas que vão convivendo diariamente, ao balcão do pequeno almoço, comentando os acontecimentos do dia anterior, e falando do que vai ser o seu dia…


Quando entrei, relancei o olhar pelas mesas, mas não vi ninguém a mais nem a menos.


Apenas as pessoas do costume.


Sentei-me na “minha” mesa, de sandes na mão, a suspirar pelo pastel de nata que se ria para mim, quando o vi.


 Não tinha nada de espantoso nem incomum. Parecia apenas um pouco deslocado, o que não era de admirar.


 Roupa simples, mas de bom gosto, aparência lavadinha, óculos escuros que tirou e colocou na abertura da camisa, estatura mediana, cabelo encaracolado.


Mas quando se virou para mim, apresentando um rosto agradável, mas normalíssimo, senti um arrepio no estômago, e quase me engasguei com o raio da sandes…


Tive aquela sensação estranha de dejá-vu, que já tinha vivido essa mesma situação daquela forma exactamente!


Sem tirar nem pôr….


Não me parece que alguma vez tenha visto aquele homem, que olhou para mim de relance sem sequer me ver, causando-me uma estranheza terrível.


Se por acaso reparou no meu “interesse” deve ter ficado a pensar que era doida, ou então saiu dali com uma suave massagem no ego.


 Mas cada vez acredito mais em vidas passadas, onde nos cruzámos com gente importante para nós, que a vida arranja maneira de pôr à nossa frente de novo, nem que seja de fugida!


 Digo eu…



publicado por Fernanda às 12:30
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Segunda-feira, 14 de Março de 2005
...
Para começar bem a semana, e porque tenho de tomar uma decisão muito importante, debitem lá a vossa opinião acerca da cirurgia estética. Levem em consideração que, no meu caso, é uma questão de vaidade, sim, mas também de saúde. E que estou farta que toda a gente que entra aqui na Junta me pergunte se estou grávida outra vez, algumas acrescentando que “já deve faltar pouco tempo!”. E que este volume-peso abdominal me está a dar cabo do que resta da minha coluna. E que já não consigo despir-me ao pé seja de quem de fôr. E que, e que e que….. Beijos e boa semana


publicado por Fernanda às 11:29
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