Tenho à minha espera uma pilha imensa de papeis para arquivar.
Sim, hoje é dia de arquivo, tarefa ingrata que vou adiando até o cesto abarrotar de ansiedades
Olho com volúpia para o papelão aqui em frente, pensando que se eu mandasse, os papeis voariam directinhos para o mesmo, e nem precisava de os dobrar em forma de avião
Anseio pelo dia em que, talvez no século 22, basta haver um registo digital dos documentos públicos (os privados podem ficar na gaveta dormindo sob o seu lindo suporte branco..), e assim desapareçam estas pilhas que, ao contrários das outras, tiram a energia a qualquer um
O que mais me custa não é metê-los nas respectivas pastinhas de assuntos específicos, apesar de estas serem centenas
Estas pastas pretas que se riem de mim todas as manhãs, desbocadas e insolentes, sussurrando-me ao ouvido que anseiam por um toque meu Todos os dias as olho de soslaio e lhes respondo entre dentes AINDA NÃO É HOJE, SUAS DESGRAÇADAS.
O que mais me custa é atacar a pilha de papeis e ter que a separar em montinhos ridículos, tarefa que me exige alguma concentração e muito despeito.
Mas hoje, aquelas insolentes, assim que entrei, deram uma gargalhada! Não lhes liguei, e vim directinha para o computador para espreitar o meu mail.
Assim que pus os olhos no relógio, para pensar como ía organizar o meu dia de trabalho (é melhor pensar em trabalho para não pensar noutras coisas ), as risadas das malditas pastas sobrepuseram-se a qualquer silêncio que me oprimisse.
Riam suas p tas! Pensei Riam-se de mim! Vá, mais alto! Riam-se da minha estupidez, das minhas esperanças que caem ao menor golpe de vento para se levantarem a custo contra a minha vontade! Riam-se à vontade! Esperem só para ver o que acontece quando eu virar a minha fúria contra as vossas capas, e as encher de papeis certos nos locais errados!
E antes que me passe a fúria, vou levantar-me daqui. Vou direitinha à pilha de papeis e vou desmembrá-la em montículos ridículos e enfia-las de rompante e sem carinho onde encontrar espaço livre!
E se sobrar algum tempo depois, sento-me de novo aqui. A esta minha janela para o mundo. Para ver se vos encontro
Isto se não me passar de vez,
E saia porta fora
Para pegar fogo ao estupor do papelão
Que está a rir à gargalhada!