Nunca gostei de relógios.
Aliás, nunca os usei nem sei ver as horas naqueles que não tiverem os números bem claros.
Aliando ao facto de que sou alérgica ao metal, é objecto que me é perfeitamente desnecessário, e tenho alguns que me foram oferecidos ao longo da vida, perdidos e esquecidos por gavetas ainda mais esquecidas…
Mas na verdade, o meu profundo desagrado por tal objecto vai um pouco mais fundo.
É a velha questão do Tempo.
Penso que o Tempo é o maior grilhão da nossa existência.
Tic-tac, tic-tac e cada segundo que passa não volta mais.
E nós nem nos apercebemos disso.
A não ser que apanhemos uma grande estalada da Vida…
Mas se temos a sorte que isso nos passe despercebido, ou não nos importe, ou nem sequer nos interesse, o tic-tac não pára…
Acho que estamos geneticamente preparados para não ligarmos à passagem do Tempo, senão dávamos em doidos pensando naquilo que devíamos já ter feito e conseguido e que nos escapou.
Aliás, acho que estamos geneticamente preparados para tudo, menos para uma coisa; para a perda de um filho, que é a uma coisa mais anti-natura de que me lembro..
E para se aguentarem outras coisas terríveis da Vida, muitas delas relacionadas com as surpresas e partidas (desagradáveis na maior parte dos casos) que o Tempo nos prega, cada um acredita ou cria as suas Teorias, para aliviar o sofrimento ou evitar a loucura…
Eu, por exemplo, acredito que NADA acontece por acaso.
Que vivemos muitas vidas.
Nos cruzamos uns com os outros muitas vezes sob as mais variadas formas, mais intensas consoante o grau de pureza que a nossa alma vai conseguindo atingir em cada encarnação.
Que voltamos cá o nº de vezes suficientes até atingirmos o ponto em que merecemos não voltar mais. Porque o Inferno, meus amigos, se existe, é aqui.
Acredito que aqueles que partem prematuramente são aqueles que estão mais perto do topo da pirâmide, e que começam a fazer mais falta Lá em cima do que aqui.
Os Puros devem ser tão poucos…
O Céu deve estar tão despovoado…
Acredito que ninguém parte antes da sua hora, mas que essa hora está marcada.
Só gostava de saber por quem.
Para lhe dizer algumas coisinhas…
Para lhe falar do sofrimento daqueles que cá ficam, que se estão nas tintas, num primeiro instante, para a Grande Roda da Evolução das Coisas, e de que Deus Escreve Direito Por Linhas Tortas e essas tretas todas, que são destinadas a ajudar o comum mortal pecador impuro a aceitar e a seguir o seu caminho, conformado, até que o Grande Relógio determine a sua hora.
Já tinha aceite, há muito tempo, que muitas coisas que não fiz nesta encarnação, teriam de ficar para outra.
Sim.
Porque eu sou daquelas pobres almas que ainda estão na base da cadeia, e terei de cá voltar milhões de vezes.
Até aí tudo bem.
Mas acho que tudo tem um limite.
E essa coisa do Criador dar as provações de acordo com a fortaleza de cada alma, parece-me mais uma brincadeira de esticar o elástico até ver quando ele parte.
E como me parece que o Criador tem mais que fazer do que se preocupar com os elásticos insignificantes da maioria dos Humanos, gostava de saber quem mais se anda a divertir à nossa custa!
A obrigar-nos a gastar o Tempo que não pára naquilo que não queremos, mantendo-nos num limbo de pseudo-satisfação de que tudo está correr bem e de que há quem esteja pior que nós, portanto bico calado e bola para frente, não vá acontecer alguma desgraça…
Bem, já me alonguei demais nestas teorias parvas.
Hoje vinha de falar de croquetes e rissóis, mas deu-me para aqui.
Não quero, no entanto, que fiquem a pensar que, por não usar relógio, sou uma atrasadinha!
Pelo contrário.
Sou tão pontual, que chego sempre antes do tempo!
Ou ando sempre fora do meu Tempo.