Porque viver, sobrevivendo, é uma questão de simplicidade...
Terça-feira, 11 de Janeiro de 2005
E as crianças, meu Deus????

 Hoje recuso-me a escrever à pressa.


Como diz o meu amigo Zé Oliveira (zeoliveira.blogs.sapo.pt ) QUE FAZ HOJE ANOS – PARABÉNS AMIGO!, o estar de olho no ecran e outro na porta, em sobressalto constante, só me faz mal à saúde.


 Também me deu o conselho sábio de não ver os noticiários. Já o faço há algum tempo, porque, apesar de já estar convencida que não posso mesmo mudar o mundo, aflige-me imenso ver – uma imagem vale por não sei quantas palavras – o estado em que está a Humanidade. Mas não serve de muito eu enfiar a cabeça n areia, como dizem que faz a avestruz.


 A desgraça e a miséria estão por todo o lado, até neste fim de mundo onde moro e trabalho.


 Há cerca de uma hora, entrou aqui na Junta uma cigana com um bébé ao colo. Eu já sei que vão dizer que eu sou uma parva, que há gente que utiliza os filhos para mendigar, e que depois não usam o que conseguem com a pedincha em favor das crianças.


 A cigana vinha vender pensos rápidos. Pediu apenas uma moedinha. Dei-lhe as moedas todas que tinha na carteira, notas não há, e levei um instante a olhar o menino que trazia ao colo.


 Cabelinho louro, olhos azuis do tamanho do mundo, carinha muito suja, e uma chucha a cair aos pedaços pregada na camisola. A camisola que tinha vestida, nem comento.


 Peguei-lhe na mãozinha. Estava gelada. Perguntei à cigana que idade tinha o menino, disse-me que tinha um ano.


Ele sorria, maroto, tentando à força agarrar o laço da minha camisola, e ao tocar-me, o gelo daquela mãozinha trespassou-me até à alma.


 Mandei-a sentar, agarrei nas chaves do carro e sai porta fora. Fui a casa, peguei nuns sacos do lixo dos maiores, e despejei o roupeiro do Alex para dentro deles.


Revi mentalmente a roupa dele que estava para lavar, secar ou passar a ferro, e vi que era mais do que suficiente.


Fui ainda ao armário da cozinha que tem a comida dele, e meti tudo que lá estava em sacos, pacotes de cerelac e nestum, potinhos de fruta, bolachas… Não tive tempo para “atacar” o cesto dos brinquedos, mas fica para depois.


Voltei à Junta, meti a cigana e o bébé no carro e fui pô-la a porta de casa, juntamente com os sacos.


Não vos estou a contar isto para que me digam “ai que boazinha que ela é”.


 Não é nada disso. Quero apenas dizer-vos que percebi que se todos nós fizermos um pouquinho, não mudamos o mundo.


 Mas se TODOS fizermos um pouquinho, marca-se alguma diferença.


 Pelo menos este bébé vai passar o Inverno com mais conforto.


E fiz a promessa a mim mesma de continuar a fazer o que me fôr possível pelos bebés que me entrarem por esta porta.


 O reverso da medalha vai ser complicado. O Presidente teve um ataque de mau humor por eu ter saído na hora de serviço, e o marido vai ter um ataque de nervos por ver o armário do Alex vazio. Mas nada disso me vai preocupar.


E agora vou terminar, que está a chegar o Raul, um bébé de ano e meio, o mais novo de 10 irmãos. Vem sempre dar-me um beijinho quando passam por aqui a caminho da Casa do Gaiato, onde vão buscar comida.


O saco para o Raul já está pronto há duas semanas.


Assim como o do Marcos, mais novo de 5, que passa cá para a semana.


Não, não tenho nenhuma loja de roupa, mas muita gente me dá roupa, nova e usada, para o meu bébé, que eu agradeço imenso e me dá muito jeito, e outras coisas compro.


 Enfim… Fico por aqui. Com uma vontade enorme de me zangar com o Gajo lá de cima.



publicado por Fernanda às 13:02
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De Anónimo a 12 de Janeiro de 2005 às 21:42
Oh Fernanda, não queria desiludir-te, mas , trabalho com crianças com necessidade educativas especiais, e o que posso dizer-te do meu contacto com as famílias ciganas (as carenciadas e que vivem à margem, não as que estão inseridas) é que é hábito corrente vestirem as roupas aos filhos até estarem gastas e imundas e depois, para não as lavarem, deitam-nas fora. Receio que o fim das roupas do teu Alex vá ser triste... :(

Além do mais não acredites muito que ela as vá cestir à criança, porque assim vai parecer que não tem necessidades e as esmolas acabam-se logo. É triste mas garanto-te que é a verdade.

Carla
</a>
(mailto:car_lotad@clix.pt)


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