Cheguei a casa completamente desnorteada, depois deste encontro com aquela que me tinha parido.
Apesar de lhe ter deixado o meu número de telefone, sabia bem cá no fundo, que nunca me iria ligar.
Agarrei com força na mão o papel com a morada dela. Era o único contacto que poderia manter. Tinha vontade de chorar, mas não conseguia. Assolava-me uma fúria imensa.
Tinha-me esquecido de lhe perguntar o nome completo do meu pai. Como poderia procurá-lo, se apenas sabia que se chamava Zé?
Por onde poderia começar a minha busca, se não sabia de onde ele era?
No dia seguinte, sentei-me à mesa da sala, de papel e caneta na mão.
Desta vez, seria uma carta que não mofaria no fundo de uma gaveta. Escrevi-lhe ao sabor da emoção, dizendo que não a recriminava por me ter abandonado. Que entendia que tinha sofrido bastante, e que era a prova real do seu sofrimento, talvez por isso nunca me tivesse visitado. Com excepção daquela vez em que me raptou, tinha eu 5 anos, e ter acabado tudo em Tribunal de Menores. (Em audiência em que ela não compareceu, e o Juiz decidiu dar a adopção à Belmira).
Que não podia sentir qualquer amor filial, mas que podíamos ser boas amigas. Que senti uma emoção enorme por ter estado cara a cara com ela. Que adorei ter conhecido os meus irmãos. Que tinha a certeza que encontraríamos uma forma de mantermos o contacto, nem que fosse por carta. E que lhe pedia que me dissesse o nome completo e o local de onde era o meu pai, para que o pudesse procurar.
Esperei dois meses por uma resposta. Todos os dias à espera do carteiro, ansiosa..
Até que um dia me fartei. Peguei no carro e fui até ao Cacém, para a procurar em casa. Quando lá cheguei, apanhei uma decepção. A casa estava vazia. As vizinhas disseram-me que tinha sido penhorada por falta de pagamento das prestações.
Fiquei completamente à deriva. Entrei numa depressão como há muito tempo não acontecia. Chorava de dia e de noite, não conseguia sequer sair de casa.
O meu marido já estava tão desesperado de me ver assim, que disse que me ía ajudar. Tinha encontrado o meu irmão num jogo no Estádio da Luz, a fazer uma reportagem para A Bola, e, com uns telefonemas, concerteza que o conseguiria encontrar.
E assim foi. Contou-lhe o que se estava a passar, que me tinha esquecido de perguntar os dados do meu pai, e que a situação estava insuportável.
Passados dois dias, o David veio a minha casa, e na mão trazia um papel escrito pela Geta, onde se lia:
José Maria Gomes de Marinhais.
Só isto. Uma frase apenas. Mas que me abriu um mundo de expectativas e de esperanças.
No fim de semana seguinte, o meu marido meteu os miúdos no carro, logo pela manhã, para ir a Marinhais procurar o meu pai, ou quem soubesse dele.
Eu fiquei em casa. Não tive nem forças nem coragem de ir com eles. Não aguentava uma decepção.. Fiquei a rezar. A chorar. A suplicar a todos os Santos que me dessem uma hipótese
Chegaram era quase meia noite. Assim que ele entrou, percebi que as coisas não tinham corrido bem. Mandou-me sentar. Agarrou-me nas mãos e pediu que me acalmasse.
E disse calmamente: Não encontrei o teu pai. Mas sei onde ele está. Tens uma tia e primos em Marinhais. O teu pai está há muitos anos na Alemanha, em Dortmund. Tens aqui a morada dele.