Porque viver, sobrevivendo, é uma questão de simplicidade...
Anda um pirilampo solitário no meu jardim.
Fica ali, a noite inteira, perdido num imenso relvado, sozinho, a piscar, a piscar…
Às vezes cansa-se, levanta voo e vem direito às sebes.
Pousa suavemente numa delas, e ali fica a piscar, a piscar…
Ontem à noite, iludiu-se com a luz que vinha do pequeno candeeiro do meu quarto e entrou de repente, quando me distraí a contemplar o luar.
Mas deve ter pensado que aquela luz era forte era demais para ele, e aterrou confuso, na manta aos pés da minha cama.
Tive um trabalhão para lhe pegar sem o aleijar, de tão pequeno que era.
Ficou na palma da minha mão, sem brilho, imóvel, (a fingir-se de morto?)
Pensei que seria uma caridade esmaga-lo, de tão inútil e infrutífera era a sua espera, noite após noite…
Mas soltei-o.
Nem o vi começar a voar, mas daí a uns instantes, lá estava a ínfima lanterna no meio do escuro da relva.
A piscar, a piscar…
Noutros anos, nesta altura, o jardim já pejava de mil luzinhas a brilhar no escuro, para gáudio do bando de andorinhas que os rasava logo pela manhã.
Talvez pelo clima estar tão alterado, nem andorinhas, nem mais pirilampos…
Apenas aquele, ridículo, só, num pisca intermitente chamando a atenção não sei de quê, nem sei para quê..
Mas o facto é que, todas as noites, eu lá estou à janela como sempre, à espera que o sono chegue, a fumar um dos mil últimos cigarros do dia…
E a primeira coisa que o meu olhar procura já não são as estrelas lá em cima.
É aquela luzinha solitária, persistente, inconsequente e instintiva…
Que mais nada quer da vida, nada espera da sua curta existência, a não ser poder piscar, piscar, fora de horas em clima errado, mas descansado, sem sonhar sequer que me arranca um suspiro de carinho.
E de alívio, por ele ainda andar por ali.